top of page

Glaucia Prodocimo
Bebê: Pedro

Se foram trinta, cem ou duzentas eu não sei, só sei que passaria por todas aquelas contrações novamente. Gosto das sensações que o despertar do dia me proporciona. A pele arrepia com o friozinho da manhã, os sons dos pássaros aliviam o silêncio da noite, a neblina de uma tela em branco aos poucos se transforma em paisagem e o sol preenche a alma e energiza o coração. Muitas foram as manhãs, cedinho ainda com o sol a raiar, que saí para caminhar durante a gestação. Naquele final de semana não foi diferente e foi inteiro dedicado à chegada do meu bebê com quase 40 semanas de gestação. Mas, apesar das caminhadas, dos litros de chá mexicano, das massagens e escalda-pés, meu corpo silenciou. Algo interrompeu o processo. As contrações de treinamento que eram companhias constantes sumiram. Chegou o domingo à noite, hora de organizar a semana, avisar ao corpo e à mente que o descanso terminou e que o labor retornará, um marco, um divisor de águas. A magia dos rituais humanos nos ajudou, diminuiu a ansiedade, aliviou minhas expectativas, relaxou meu corpo novamente com as essenciais sensações de previsão e segurança que uma mãe precisa para parir. Foi na madrugada de segunda-feira que meu bebê avisou que nasceria. Fiquei incrédula apesar de sentir o líquido quente escorrer pelas minhas pernas e no banheiro observar partículas brancas, o vérnix caseoso, flutuando na água. Acordei meu marido dizendo, "amor, venha ver, acho que a bolsa estourou!". Sorrimos, nos abraçamos e choramos. O dia mais intenso de nossas vidas estava começando. Enquanto o chá mexicano fervia no fogão inundando a cozinha e a brisa da manhã com o aroma de alecrim, canela, pimenta da Jamaica, manjericão e outras ervas, tomei meu café da manhã mais reforçado e limpamos a cozinha num clima de tranquilidade e satisfação. O dia já estava claro quando fui para o chuveiro sob a tutela remota de minha Doula Tiffany Buchmann. A GO também acompanhava o desenrolar daquela manhã pelo celular. Eu sentia as contrações indo e vindo suavemente, tomando ritmo e intensidade. Quicando na bola de Pilates, eu ouvia e cantava Jack Johnson no chuveiro. Às vezes meu marido abria a porta para cuidar de mim e alguns dias depois confessou, "eu nunca tinha te visto com um sorriso tão lindo". Sim, eu me sentia muito feliz. Sentia alegria em todas as células do meu corpo, uma energia que tomava conta de mim em níveis que desconhecia. As contratações continuaram e me aconcheguei em minha cama. Descansei nos intervalos e percebi meu corpo trabalhando ritmado. A cada contração respirava fundo e relaxava. Rumamos para a maternidade. Com 4 cm de dilatação estava internada na maternidade. A GO e a Ty conversavam descontraidamente, dando a boa impressão de que tudo estava indo bem. Essa impressão foi importante pra me manter segura e confiante. Para mim era tudo novidade mesmo tendo feito cursos e lido sobre parto. Eu acreditava que saberia em qual fase eu estaria, mas, na verdade, a razão perdeu totalmente a importância nesse dia. A única coisa que importava era deixar meu corpo e meu bebê trabalharem juntos, sem analisar, sem questionar, sem pensar, apenas viver. Lá fora o sol no ponto mais alto do céu iluminava e aquecia o dia. Dentro da maternidade a luz branca, o frio dos corredores e quase nenhuma janela. A introspecção do corpo, da mente, do local. Era para dentro que se observava. Conheci cada corredor, cada lance de escada e rampas caminhando por ali. Quando passávamos pelo berçário, espiávamos pelas frestas abertas pelos orgulhosos pais, avós e tios os bebês recém-nascidos. Ouvíamos suas histórias cheias de sorrisos e encantamentos ao som de chorinhos estridentes, gargantas inaugurando as cordas vocais. Impossível não se contagiar com aquelas alegrias e seguíamos em nossa caminhada às vezes interrompida por cócoras a cada nova contração. Retornamos à suíte de parto onde fui examinada. Não me contaram naquele momento que eu estava entrando no sétimo centímetro. A GO me tranquilizou e com sua sensibilidade e carinho próprios de quem ama o que faz me disse em voz suave, "você está indo muito bem". A suíte de parto foi inundada por aroma de óleo essencial, meus pés aquecidos por água quente sob os cuidados da Ty. Ainda dei alguns passos no corredor externo quando senti a primeira dor do parto. Fiquei de cócoras com as mãos apoiadas no peitoril da janela enquanto uma dor intensa surgia no meu quadril e se expandia para minha lombar. Minhas mãos suaram assim como minha barriga. Respirei fundo e vocalizei soltando o ar pela boca relaxando meu corpo. Ali percebi o que estava por vir. Um calafrio subiu pela minha espinha. O trabalho de parto começou e a conversa terminou, "é punk!", falei para o meu marido. Entrei num estado profundo de concentração jamais vivido antes e na minha mente as memórias são como flashes, a caixa de música sendo colocada no banheiro, a Ty prendendo meu cabelo, meu marido sentado ao lado do box, a sensação de suas mãos em minhas costas. A água quente confortava meu corpo. O movimento era constante e meu quadril se movia para os lados incessantemente. Sentia as contrações vindo e eram tantas as coisas que tinha que fazer naquele momento, cócoras, respiração profunda, vocalização ao mesmo tempo em que visualizava meu útero e períneo se abrindo, que a dor simplesmente passava como uma onda. A ducha quente na lombar ajudava no relaxamento e, ao final, a vocalização se tornava um choramingar e minha cabeça girava para trás. Levantava e mais um ciclo recomeçava repetindo todos os passos. Eu nunca estive tão presente, entregue de corpo e alma ao que estava acontecendo como naquelas horas de trabalho de parto. Perdi completamente a noção do tempo, estava imersa no agora. Num certo momento pensei, "onde eu fui me meter!? O que é que eu estou fazendo? Eu não vou aguentar!". De repente, saio de mim e observo a situação de fora, "'é isso, cheguei ao momento da desistência. Basta aguardar que ele vai passar." e passou. Não sei quanto tempo fiquei no chuveiro, mas lembro bem da última contração ali. Fiquei de cócoras e meu corpo reagiu fazendo força de expulsão sem minha vontade. Soltei um gemido mais forte e a Ty me conduziu para a banheira, mas antes a GO fez a última verificação dos batimentos cardíacos do meu bebê. Tudo estava bem. Sempre imaginei parir de cócoras, mas não fiquei à vontade. Tentei algumas posições na banheira e me vi deitada de lado com as pernas flexionadas e a de cima levantada. Quando vinha a contração eu não queria fazer força. Então a Ty me disse, "se você fizer força, dói menos". Isso me encorajou. Após algumas contrações e forças começou a arder. "Meu Deus, como arde!" Eu disse. Fiquei dividida, se não fizesse força tinha a dor da contração, se fizesse força ardia. Acho que a Ty percebeu. "Daqui meia hora o teu bebê estará nos teus braços". Isso me deu muita força e coragem, então pensei, "agora eu vou fazer esse piá nascer!" Meu corpo tremia inteiro nos intervalos das contrações. Já sentia cãibra nas pernas e muito cansaço. Disse para o meu marido, "você pega ele?" Ele assentiu com a cabeça. Fiquei deitada com as costas no fundo da banheira e flexionei as duas pernas. A Ty segurou uma e meu marido a outra. Agarrei as alças da banheira e a cada contração, seguindo as instruções da Ty, fui fazendo a força de forma adequada. Ansiosa, perguntei, "nasceu?" "Ainda não", disse-me a Ty. Pedi que desligassem a música, precisava me concentrar. Estava com muito calor, passei uma tolha molhada e fresca no rosto. Mais contrações. Num certo momento passei a mão no períneo, senti a cabeça do meu filho ali. Mais contrações e forças, a cabeça saiu. Vi pela água e a GO me disse, "só faltam os ombros". Fechei os olhos, me concentrei e fiz mais uma força. Dois minutos após o pôr do sol, meu filho nasceu.
Flash: meu marido segurando o meu bebê e a Ty desenrolando o cordão umbilical de seu pescoço.
Flash: o meu bebê vindo em minha direção com os braços e pernas abertas todo roxinho.
Flash: o corpinho do meu bebê encostado no meu e eu o abraçando.
Fechei os olhos, muito emocionada e chorando, elevei o rosto e essas palavras emergiram da minha alma. “Eu te amo, meu filho”.

Pedro nasceu de parto natural humanizado na água, no dia 10 de Setembro de 2018, 4 anos depois, no mesmo dia do nascimento da filha da minha doula amada Ty Buchmann.

"Entrei num estado profundo de concentração jamais vivido antes e na minha mente as memórias são como flashes, a caixa de música sendo colocada no banheiro, a Ty prendendo meu cabelo, meu marido sentado ao lado do box, a sensação de suas mãos em minhas costas. A água quente confortava meu corpo. O movimento era constante e meu quadril se movia para os lados incessantemente"!
Glaucia Prodocimo
Curso de Parto Normal Online
  • YouTube Manual do Parto
  • Instagram Manual do Parto
  • TikTok Manual do Parto
  • Facebook Manual do Parto
  • Telegram Manual do Parto
Curso de Parto Normal Online
bottom of page